Putin assina decreto ordenando pagamento em rublos por gás e ameaça cortar fornecimento a 'países hostis'

Compradores precisarão abrir contas em um banco da estatal Gazprom para efetuar as transações; decreto, porém, abre brecha para depósitos em outras moedas

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, assinou o prometido decreto que altera a forma de pagamento pelo fornecimento de gás russo a nações consideradas hostis pelo Kremlin, que agora precisarão fazer depósitos em rublos caso queiram manter o acesso ao produto. Em declarações reproduzidas pela imprensa local, Putin acusou o Ocidente de tentar "minar" o desenvolvimento da Federação Russa e afirmou que o que chama de "guerra econômica" já está sendo planejada "há muito tempo".

O decreto, porém, traz uma brecha para pagamentos em outras moedas, um dia depois de o próprio Kremlin sugerir que seria flexível em relação ao tema. Países da União Europeia, que depende em 40% do gás russo para seu consumo, disseram que continuarão fazendo o pagamento nas moedas previstas nos atuais contratos, como euro e dólar.

No principal ponto do novo texto, qualquer governo ou empresa que desejar ter acesso ao gás russo precisará abrir uma conta no Gazprombank, instituição que foi incluída em pacotes de sanções anunciados nas últimas semanas. O decreto assinala que os depósitos para encomendas ainda não pagas deverão ser feitos em rublos já a partir desta sexta, 1º de abril.

— Se tais pagamentos não forem feitos, consideraremos isso como um calote por parte dos compradores, o que trará consequências. Ninguém vende nada de graça, e não faremos caridade também. Se for assim, tais contratos serão suspensos — disse Putin.

A mudança no sistema de pagamento, antecipada no dia 23 de março, serve como uma resposta às sanções impostas por Europa, EUA e aliados, como Japão e Coreia do Sul, em resposta à invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro. As medidas incluem limites ao acesso do Banco Central russo a US$ 300 bilhões de suas reservas internacionais depositadas no exterior e o corte do acesso de grandes bancos do país ao sistema de pagamentos internacionais Swift.

As sanções produziram efeitos imediatos na economia russa, como a desvalorização do rublo, que chegou a quase 140 em relação ao dólar —  tendência revertida nos últimos dias — mas não serviu para mudar os rumos do Kremlin no conflito na Ucrânia. Por outro lado, a redução das exportações de commodities produzidas pela Rússia e pela Ucrânia elevou seus preços nos mercados internacionais e trouxe riscos inflacionários a boa parte do mundo, algo que foi lembrado por Putin.

— Nas principais economias europeias, a inflação está batendo recorde, e também nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, eles estão tentando nos culpar por seus erros na política econômica, eles estão sempre procurando alguém para culpar. Isso é bastante óbvio, nós vemos — afirmou o presidente.

Putin também fez críticas aos EUA, e acusou Washington de tentar mudar à força o modelo energético da Europa, substituindo o gás russo pelo que chamou de "caro GNL (Gás Natural Liquefeito americano)", e de promover uma "guerra econômica".

— Isso não começou agora. Sanções e restrições ilegítimas foram impostas contra nosso país constantemente, por muitos anos. Seu objetivo é conter o desenvolvimento da Rússia, minar nossa soberania, enfraquecer o potencial de produção, finanças e tecnologia — atacou Putin, segundo a RIA. — Na verdade, são sanções contra nosso direito à liberdade, de ser independente,  de ser a Rússia.

Nesta quinta-feira, o Tesouro americano anunciou novas medidas contra 13 pessoas e 21 entidades russas, incluindo atividades nos setores marítimo, eletrônico e aeroespacial da economia do país.

Brechas no decreto

Na véspera do anúncio, Putin conversou com os líderes da Itália e da Alemanha, dois de seus principais compradores de gás, e sinalizou que as mudanças não seriam imediatas, de certa forma abrindo espaço para um período de adaptações e negociações de novos contratos. De acordo com a agência RIA, o decreto traz uma brecha para que a Comissão Governamental para o Controle de Investimentos Estrangeiros emita licenças para que algumas operações sejam realizadas em moedas que não o rublo.

Como esperado, as reações foram imediatas e duras.

— Quero lembrá-los da declaração do G7. Não aceitaremos a exigência de pagar o gás em outra moeda. Isso não está previsto em acordos. Acordos são acordos e devem ser rigorosamente observados — declarou o ministro da Economia da França, Bruno Le Maire.

Em entrevista coletiva, o ministro da Economia da Alemanha, Robert Habeck, afirmou que ainda não havia analisado o teor do decreto, mas disse que seu país "não seria chantageado" pela Rússia, e que estava preparado para todos os cenários, incluindo a interrupção do fornecimento de gás ao continente.

O chanceler alemão, Olaf Scholz, também afirmou que os pagamentos continuariam a ser feitos em euros e, por vezes, em dólares, e reiterou seu desejo de cortar a dependência de insumos energéticos vindos da Rússia, embora reconheça que este pode ser um processo longo. Hoje, a Alemanha é a maior compradora do gás russo, e Putin, embora tenha ameaçado cortar o fornecimento, também disse que as remessas pagas continuarão a ser feitas.

— A Rússia valoriza sua reputação empresarial, cumprimos e continuaremos a cumprir as obrigações sob todos os contratos, incluindo contratos de gás. Continuaremos a fornecer gás nos volumes estabelecidos, nos volumes estabelecidos e a preços determinados em contratos de longo prazo existentes — afirmou.

Apesar da retórica elevada, analistas e autoridades acreditam que a Rússia não tem capacidade de recuperar a potencial perda com a suspensão das vendas de gás e petróleo aos chamados "países hostis", em especial os europeus.

— Mesmo se eles conseguirem, por um determinado momento, aumentar algumas das vendas para o Oriente, como para a Índia e para a China, não será suficiente para repor as vendas que hoje fazem para a Europa — disse um funcionário de um governo ocidental, à Reuters, em condição de anonimato. — Estou muito cético com essas ameaças, acho que elas vão prejudicar o Estado russo. G1